A crise na saúde tornou-se uma crise econômica e afeta vários setores, não seria diferente com a energia. Assim, no dia 14 de maio, o painel do evento Agenda Setorial reuniu especialistas da área para debaterem os aspectos jurídicos dos desdobramentos que estão afetando os contratos de energia.
Havia quase 1000 participantes ouvindo as considerações de Efrain Pereira da Cruz, Diretor da Aneel, que conduziu o painel como moderador.
Debatedores:
Alessandro de Brito Cunha, CEO Grupo BC Energia
Andrew Storfer, Presidente da América Energia
Ricardo Lisboa, Sócio da Delta Energia e Presidente do Conselho da Abraceel
Julião Coelho, Sócio Julião Coelho Advocacia
Efrain Pereira fez algumas observações sobre a situação, acredita que a pandemia impôs políticas sanitárias que acabaram reduzindo a atividade econômica do Brasil. Ele informou que houve um momento em que o Preço de Liquidação de Diferenças (PLD) chegou a R$ 800,00, agora o mercado livre experimenta o limite oposto. Embora o risco hidrológico esteja baixo, o PLD também baixou.
O setor elétrico foi afetado pela redução da demanda e pelo aumento da inadimplência. “Acabamos enfrentando uma crise totalmente nova, diferente de outras para as quais já tínhamos solução”, disse Efraim.
Efrain mencionou que o momento é de negociação. O setor elétrico alcançou respeito e isso dá uma envergadura para dizer que temos condições de atrair investimentos.
Ele falou sobre a importância do evento para levar ao conhecimento geral tanto as ações do regulador, bem como o que o mercado está pensando. Segundo Efrain, a Aneel está alinhada com o posicionamento dos demais debatedores da live. Logo no início da crise a agência estabeleceu princípios como o trabalho integrado com a diretoria da agência e o Ministério de Minas e Energia. Várias ações foram tomadas para mitigar os riscos jurídicos em cada uma das soluções que já foram tomadas e que ainda serão adotadas.
Como diretor da agência anunciou que não haverá tarifaço, pediu a todos que confiem no regulador, que sempre atuou frente às crises.
Alessandro de Brito Cunha ponderou que é uma crise que não se sabe como irá terminar.
Impacta nos contratos e na redução de energia. Contudo, disse que é preciso entender como contornar essa crise estabelecendo segurança ao setor elétrico e propor mecanismos de mitigação de crise para gerar uma cultura de solução.
Quando questionado sobre como o comercializador está enxergando e lidando com a crise, respondeu que a crise é aguda e financeira em todos os segmentos. Explicou ainda que os comercializadores tem sido sensíveis às renegociações com seus clientes. Usam o bom-senso para entender que atividades estão de fato bloqueadas e não podem ser desempenhadas e quem está sofrendo com a questão econômica.
Em relação a migração para o mercado livre e a respeito dos contratos comentou que, em tese, o contrato de demanda (grupo A) é um contrato de disponibilidade, paga-se pela infraestrutura, pela injeção ou retirada de energia do sistema. As medidas excepcionais que podem ser tomadas para cobrança pelo consumo podem gerar custos não previstos no contrato de concessão da distribuidora, que não podem ser ignorados.
Todas as soluções traçadas devem ser sistêmicas, há várias questões estruturais que precisam ser sanadas. Mas agora não é possível corrigi-las. Ele acredita que o pacote de socorro deve ser estudado.
Declarou ainda que o papel do comercializador é ser solidário. Já o consumidor que migrou para o Mercado Livre de Energia está vivendo um momento de consumo menor, mas é possível vender a sobra de energia no mercado, já que esse consumidor firmou um contrato financeiro.
Ponderou que o modelo de pagamento das tarifas no mercado cativo é estrutural, paga-se pelo consumido. No ML o consumidor passa a ter um contrato por quantidade, o que tem uma série de características diferentes. Em momentos de crise, o consumidor do ML se esquece que teve benefícios ao longo do período que firmou o contrato. Assim, não é possível alegar que a crise é uma situação fortuita, o momento é de renegociação. As comercializadoras estão diluindo o custo financeiro em um prazo, lembrando que existe em média 20% de flexibilidade nos contratos.
A comercializadora assume 20% dos riscos e o cliente os outros 80%. Se for aceita uma situação de força maior para um, todos terão que ter o mesmo benefício, o que poderia causar um risco generalizado.
Ele disse ainda que o papel do comercializador é oferecer as melhores soluções aos clientes.
Quando foi indagado se esse era o momento para o consumidor migrar para o ML, foi categórico em afirmar que “sempre foi momento de migrar para o mercado livre”.
Ricardo Lisboa acredita que o calcanhar de aquiles do setor hoje ainda é o GSF e as duas liminares que estão bloqueando as liquidações financeiras.
Em nome da Abraceel, comentou que estão sendo realizados seminários internos para ajudar as empresas a entender os aspectos jurídicos da questão de força maior.
Pela Delta Comercializadora, falou em sensibilidade ao que está acontecendo com as indústrias. Os prejuízos estão sendo calculados e financiados para pagamentos futuros e informou que a Delta não tem como assumir todo o prejuízo.
Em relação ao pagamento apenas da demanda utilizada, disse que seria aceito pelo mercado o pagamento da conta sendo financiado pela conta Covid, desde que não afetasse o andamento do setor.
Disse que se o mercado fosse 100% livre não haveria dificuldade. Embora acredite que seja difícil dizer, acredita que haveria melhor alocação e conhecimento dos riscos. O consumidor terceiriza ao distribuidor a contratação, o distribuidor por dificuldades de mecanismo não consegue gerenciar bem os riscos, a ponto de em 2014 necessitar de empréstimo. Ele disse que um mercado 100% livre acarretaria em tarifas e preços menores para o consumidor final.
Julião Coelho destaca que nesse momento deve existir diálogo e respeito aos contratos. Disse que a questão é pragmática, instrumental e que a crise só vai ser superada com investimento, que será oriundo do setor privado.
O encaminhamento dos seria pela área jurídica, o que é mais trabalhoso já que se deve comprovar não só que houve prejuízo, mas também que a contraparte está tendo alguma vantagem extrema com a situação. A contraparte, que é aquele que vendeu a energia, sendo que o preço continua o mesmo.
Já o contrato de concessão é diferente, cada contrato deve ser observado separadamente, cada contrato tem o seu microcosmo e contrapartida diferente.
O momento é de percepção de risco. Iniciativas de diálogo são muito bem-vindas e as soluções devem ser geradas pelo diálogo e menos conflito.
No caso do GSF há um consenso de que houve uma frustração indevida da geração hidráulica, há necessidade de uma recomposição. Se não alcançar uma solução como essa, o setor elétrico mostrará que mesmo naquilo em que há consenso não consegue implementar a medida devida para que se transmita segurança. Então é necessário diálogo para que se transmita um ambiente regulatório sadio e seguro para que haja superação.
Ele acredita que superar o pós-crise também impõe desafios!
Andrew Storfer acredita que para o mercado regulado a questão do empréstimo às distribuidoras é uma solução que deve dar um alívio necessário para que elas sobrevivam. A inadimplência é algo que se resolve por si em algum momento, alguém pagará a conta. O problema, acredita, é a sobrecontratação.
Para ele, o consumidor é a finalidade de existência do setor. Tudo deságua no consumidor. As tarifas devem subir por conta do financiamento, embora os juros estejam menores por conta da Selic.
Em relação à demanda contratada e demanda medida, o primeiro princípio importante é o da isonomia. O que valer para um determinado grupo, deve valer para todo o grupo A. Aquele que paga a demanda separada da energia não poderia ter uma atenuação por conta dessa separação? questionou.
Quanto aos contratos no mercado livre, disse que tem recebido questionamentos recorrentes e que até os participantes da live estavam perguntando: se não é força maior então o que seria? No mercado regulado toda concessão de força maior tem o risco absorvido pelo poder concedente, é ele que vai absorver eventuais perdas ou renegociação, por meio de prazos, redução de valor de outorga etc. Exemplificou que força maior ou caso fortuito aconteceu com os aeroportos e rodovias, que entre 2015 e 2016 tiveram 81 pedidos alegando força maior, desses, apenas oito foram atendidos parcialmente.
No mercado livre os comercializadores em geral tem margem líquida de suas operações entre 2 a 4%, a margem não é grande. A alavancagem pode ser grande, mas as margens líquidas são relativamente restritas. Há pouca margem de manobra. A contratação de longo prazo não tem relação com preço de curto prazo.
Esse é um momento de negociação, de pedido de ajuda etc. A recomendação aos consumidores é que tenham a cabeça fria nesse momento difícil para todos, renegociar, se necessário, pedindo auxílio muito mais do que confrontando.
Para se inscrever para o próximo webinar, acesse: https://www.agendasetorial.com.br/pt/home.html