A sobrecontratação de energia nas distribuidoras, problema que preocupa o governo neste ano, deve ter uma extensão muito maior do que se imagina. Um estudo da consultoria Roland Berger obtido com exclusividade pelo Valor indica que, devido à crise, o crescimento da demanda de energia deve ser muito menor do que o visto nos últimos anos.
Já considerando os empreendimentos em construção, a consultoria calcula que as sobras de energia no sistema devem ser um problema com duração de até 10 anos. A solução não será apenas para as distribuidoras, mas precisará envolver também todos os agentes do sistema, inclusive as geradoras de energia. Mesmo com reduções contratuais, os efeitos devem ser sentidos no setor.
No cenário de crescimento médio moderado da economia e do consumo, a garantia física já outorgada dos geradores de energia terá um crescimento "bastante superior" à demanda até 2020, aponta a Roland Berger. Segundo os cálculos da consultoria, em 2015, havia um excedente de 7,3 gigawatts (GW) médios no sistema, ou 11% do total. O auge da sobrecontratação deve acontecer em 2019, com sobras de aproximadamente 16,5 GW médios, ou 24% do total. O montante representa mais de três vezes a garantia física média de Belo Monte, de 4,57 mil MW médios.
Considerando a recuperação da demanda, o efeito deve persistir até pelo menos 2024, quando a expectativa é de um excedente de 6,8 GW médios de energia, ou 8% da garantia física disponível.
"Esses excedentes não são repassáveis aos consumidores dentro da regulação normal, isso é uma monstruosidade de energia", afirmou Jorge Pereira da Costa, vice-presidente da consultoria e responsável pela área de energia da consultoria. Segundo ele, a situação vai afetar todos os agentes do mercado de energia.
"O impacto é grande demais para se imaginar que vai ficar na conta de um agente só, esse impacto estrutural em 10 anos. A distribuidora não vai conseguir passar a conta para a frente, todos terão que contribuir", afirmou Marcelo Aude, diretor da Roland Berger. Para ele, não adianta contar com o apoio do governo para formular uma solução. "Não vai dar, todos, de alguma forma, terão que contribuir", completou.
Essa contribuição das outras áreas pode se dar de várias maneiras, explicam os especialistas. Uma delas é a prorrogação de contratos de geradores, por exemplo.
O vice-presidente da Roland Berger prevê também a necessidade de mudanças regulatórias para melhorar a comunicação entre os contratos nos mercados regulado e livre. "Eu vejo que poderá ser necessário repensar energia de reserva, a relevância das térmicas e quais são as térmicas realmente relevantes do ponto de vista de securitização do sistema", disse ele.
A revisão das garantias físicas das usinas, atualmente em audiência pública na Aneel, deve acontecer, mas com "efeito marginal", afirma Costa. Outra saída é exportar energia excedente para outros países, mas para isso será preciso superar os gargalos de transmissão atuais.
No caso das distribuidoras, só é possível passar até 5% dos contratos excedentes de energia aos consumidores. O restante é arcado pela própria companhia. Para Aude, a eficiência, que sempre foi o negócio principal de distribuição, deve continuar sendo uma prioridade.
"Vão ter que trabalhar muito forte em novos serviços, criando novas linhas de fonte e de receita para os negócios", afirmou. Segundo ele, há muitos modelos de negócios surgindo nesse segmento. "Vemos a prestação de serviços de forma geral, serviços de eficiencia energética, nos mercados mais maduros a maior digitalização e oferta de serviços mais amplos. Um aspecto importante é trabalhar perdas também", disse.
Para António Bernardo, presidente da consultoria na América Latina, um lado positivo do cenário pode ser a criação de ativos a preços mais baixos no mercado. "Operadores com visão mais estruturada estarão interessados em fazer aquisições. Temos alguns clientes internacionais que, apesar dessa situação econômica e política, estão olhando e estudando ativos no Brasil, e tem essa visão de longo prazo. Não pensam em 2020, e sim em 2030 a 2040", disse.
Muitos dos ativos à venda, no entanto, podem ser considerados "irrecuperáveis", de acordo com Costa. "O valor de seu ativo depende do preço que aceitam pagar por ele. São todos compráveis num cenário em que há excedente de energia? Minha perspectiva é que dificilmente, a menos que sejam ativos interessantes, ou estejam numa perspectiva de longo prazo", disse o executivo.
Fonte: Valor Econômico (15/03/2016)