Os consumidores podem ter ganhado um alívio na conta de luz, mas não tiveram trégua nas compras do supermercado. As mesmas chuvas que ajudaram a encher os reservatórios das hidrelétricas e permitiram uma leve redução na tarifa de energia fizeram os alimentos terem, em janeiro, a maior alta para o mês desde o início do Plano Real: 2,28%. Com isso, a inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) superou as previsões e avançou 1,27% no mês passado ? o pior resultado para janeiro desde 2003. Legumes, frutas e hortaliças tiveram forte alta em janeiro. O tomate subiu 27,27% e a cebola, 22,05% só em janeiro.
Além dos alimentos in natura, o transporte também pesou na inflação, devido ao aumento das tarifas de ônibus em sete das 13 regiões metropolitanas pesquisadas pelo IBGE. No conjunto, o grupo transportes subiu 1,77%. Com isso, a inflação ficou acima do previsto por analistas, que estimavam uma alta do IPCA, em média, de 1,1% em janeiro. ? Nesse país enorme, o El Niño tem afetado algumas regiões com seca e outras com muita chuva, prejudicando a produção. Além disso, tem o diesel, que aumenta frete e custo; os pedágios, que aumentaram; e o dólar, que encarece a produção, pois eleva o preço dos fertilizantes e do maquinário ? explica Eulina Nunes, coordenadora do Sistema de Índices de Preços do IBGE.
CHUVAS DÃO ALÍVIO NA CONTA DE LUZ
Mesmo com a inflação maior que o previsto, os economistas destacam que a alta dos alimentos é pontual e, por isso, mantiveram suas estimativas de que o IPCA subirá entre 7% e 8% este ano. E preveem que os juros básicos da economia devem cair até o fim do ano, para até 12% ? hoje, a taxa básica Selic está em 14,25%. ? A redução da bandeira tarifária (taxa extra sobre a conta de luz), que deve ser completamente eliminada até março, está vindo com mais rapidez do que se esperava. Em 2015, tivemos quase 30% de aumento extraordinário (da tarifa de energia).
No caso dos alimentos, as variações são bastante incertas em razão das mudanças do clima. Mas a tendência é que, ao fim do primeiro trimestre, os preços comecem a desacelerar, como ocorre todos os anos ? analisa Luiz Roberto Cunha, economista da PUC-Rio, que prevê uma inflação de 7,2% para este ano. No ano passado, a energia subiu 51%. Este ano, analistas preveem uma alta em torno de 10% para a conta de luz. André Braz, economista da FGV– Rio, ressalta, no entanto, que a taxa da inflação acumulada em 12 meses segue em alta. Ficou em 10,71% em janeiro, contra os 10,67% do ano encerrado em dezembro de 2015:
? As taxas acumuladas em 12 meses avançam bastante e não estão sob efeito de sazonalidade. A inflação está num patamar que não se vê há muito tempo. Braz prevê, no entanto, que o país encerrará o ano com IPCA de 7,5%, em razão de um crescimento menor da inflação dos alimentos na comparação com 2015 e desaceleração dos preços da energia. Luis Otávio Leal, economista-chefe do Banco ABC, prevê inflação de 7,7%: ? O que vamos ter é uma redução dos preços livres em razão da queda do nível de atividade, que diminui a demanda.
SAI O "TARIFAÇO" E ENTRA O "IMPOSTAÇO"
Em janeiro, o único grupo com deflação, ou seja, queda de preços, foi o vestuário. O recuo foi de 0,24%. Segundo Eulina Nunes, do IBGE, a queda é reflexo da recessão, que diminuiu a procura por itens de vestuário, levando as lojas a promoverem liquidações para escoar o estoque. Para Luis Otávio Leal, do Banco ABC, o grande vilão da inflação deste ano será a tributação: ? Nós teremos um inimigo oculto: os impostos. O ano passado foi do "tarifaço" e 2016 é do "impostaço", com aumentos de PIS/Cofins, de ICMS e Cide. Fora a Cide, que tem um impacto imediato sobre os combustíveis, os demais não têm grande peso individualmente, mas somados, ganham força ? analisa Leal.
RIO TEM MAIOR TAXA ENTRE REGIÕES
Entre as 13 regiões, a maior inflação foi a do Rio (1,82%), pressionada pela alta nas tarifas dos ônibus urbanos (10,59%) e intermunicipais (8,62%) e dos táxis (8,76%). Para Braz, o resultado no Rio é efeito da sazonalidade: ? Foi basicamente aumento nos transportes, pois as tarifas subiram mais do que em outras regiões. O índice geral dos transportes ficou em 1,77%. Juntos, os grupos de alimentos e transportes foram responsáveis por 71% da inflação nacional em janeiro. A alta nos transportes foi puxada pelo transporte público, que subiu 3,84%, e pelos combustíveis, com alta de 2,11%. A dona de casa Solange Silva, 31 anos, reclama da alta nas tarifas do ônibus: ? É complicado, já estava muito cara a passagem.
Fonte: O Globo (06/02/2016)