Não há dúvidas de que a inflação é um dos maiores desafios do Brasil. Infelizmente, após anos em que ficou relativamente contida, para padrões brasileiros, a inflação ganhou força e o IPCA fechou 2015 com 10,67%, o maior nível em 13 anos. A aceleração da inflação está associada a fatores diversos, incluindo a recomposição dos preços administrados e a alta da taxa de câmbio, que dita os preços dos insumos importados e influencia a formação de muitos preços críticos.
Mas um olhar cuidadoso para os índices de inflação dá motivos para mais preocupação. Isto porque os preços dos serviços têm aumentado sistematicamente mais que os preços em geral. Entre 2000 e 2015, a inflação dos componentes de serviços no IPCA aumentou 19% a mais que a inflação geral, o que indica que houve mudanças dos preços relativos em favor dos serviços.
O problema é que os serviços respondem por 64% da cesta de consumo das famílias e são insumos fundamentais de produção. Na indústria, por exemplo, os serviços perfazem nada menos que 17% do valor bruto da produção. A inflação de serviços tem, portanto, efeitos amplos e contamina toda a economia.
É improvável que os preços relativos dos serviços diminuam significativamente no horizonte previsível.
Por que a inflação de serviços é tão elevada? Situações pontuais ajudam a explicar o movimento, como a do expressivo aumento das tarifas de energia no ano passado. Mas o que explica mesmo a sistematicamente mais elevada inflação de serviços é a combinação de baixa produtividade, altos custos de produção e baixa competição em muitos dos seus segmentos.
De fato, a produtividade nos serviços é baixa e está estagnada corresponde a 66% da produtividade na manufatura e a apenas 11% da produtividade na mineração. A produtividade nas microempresas do setor é ainda menor. Comparação internacional mostra que um trabalhador brasileiro de serviços produz apenas 19% do que o seu colega americano.
Os custos no setor são altos em razão de fatores como os relativamente elevados impostos indiretos incidentes sobre vários serviços e a elevação real do salário mínimo, que remunera a grande maioria dos trabalhadores.
Já a concentração de mercado inibe a competição, a inovação e a alocação eficiente dos recursos. Parte da concentração pode ser explicada por marcos regulatórios anacrônicos que dificultam a entrada de novos competidores e inibem até mesmo a competição interna. Serviços financeiros, telecomunicações, transporte aéreo de passageiros, transporte de cargas e encomendas expressas estão entre os segmentos mais concentrados e regulados do país. A concentração está aumentando em segmentos como TI, serviços auxiliares e serviços de utilidades públicas, tais como serviços de eletricidade, gás e rodovias.
Se a inflação de serviços se mostra resiliente mesmo em ambiente de profunda crise econômica, há que se esperar que os preços do setor venham a aumentar marginalmente mais durante a recuperação da economia.
Outros fatores estruturais também deverão pressionar os preços do setor, como as mudanças nos hábitos e preferências dos consumidores em favor de serviços da economia digital e a transformação demográfica, já que a população madura consome relativamente mais serviços, incluindo serviços de saúde.
Para que os serviços se tornem um aliado, e não um inimigo da competitividade, será preciso que a produtividade e a competição aumentem e que os impostos incidentes sobre o setor diminuam.
O que fazer? Um bom começo seria o desenvolvimento de uma política para o setor de serviços, o que inexiste por aqui. Vários países, entendendo a vital relevância do setor para a competitividade, têm desenvolvido políticas integradas e coordenadas para a modernização dos serviços. Estes são os casos da União Europeia, Nova Zelândia e Reino Unido. A China e a Índia já até classificaram os serviços como setor estratégico.
Uma segunda medida seria o desenvolvimento de um índice de preços de serviços. Afinal, na melhor das hipóteses, sabemos apenas de forma indireta como se comporta a inflação dos serviços que são insumos de produção.
Uma terceira medida está associada ao aumento da produtividade das empresas de serviços. As micro e pequenas empresas devem merecer atenção especial, já que são 98% do total e empregam a maior parte dos trabalhadores. Acesso a tecnologias, crédito, mercado e treinamento profissional e disseminação de técnicas de gestão são passos importantes nesta direção.
Uma quarta medida está associada à competição. É preciso modernizar os marcos regulatórios setoriais de tal forma a estimular o investimento e a competição, inclusive com a entrada de novas empresas. E é preciso que os órgãos reguladores e antitruste ampliem o acompanhamento e o monitoramento do setor para impedir ou mitigar os riscos de concentração.
É improvável que os preços relativos dos serviços venham a diminuir significativamente no horizonte previsível. Por isto, é preciso trabalhar desde já para o investimento e a modernização do setor. Afinal, os serviços já representam 72% do PIB e o que quer que aconteça ali terá repercussões sobre todos nós.
Fonte: Jorge Arbache, Valor Econômico (03/02/2016)