Treze meses depois da entrada em vigor do sistema de bandeiras tarifárias ? que indica se a energia custa mais ou menos, mostrando quando é necessário ligar termelétricas ? o consumidor ainda está longe de obter um alívio mais significativo na conta de luz. Desde janeiro do ano passado, o brasileiro arca com a bandeira vermelha, a mais cara, atualmente em R$ 4,50 por mês a cada cem quilowatt-hora (kWh) consumidos. Segundo analistas, apesar do volume maior de chuvas neste início do ano e do aumento do nível dos reservatórios nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, o país só terá chance de adotar a bandeira verde (na qual não há cobrança extra) a partir de abril, quando se encerra o período de chuvas. A partir daí, avaliam que será possível avaliar com mais segurança o nível dos reservatórios. Enquanto isso, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) decide hoje uma nova regra que deve ser adotada a partir de 1º de fevereiro.
A agência pretende criar mais patamares de bandeiras tarifárias do que as três existentes (verde, amarela e vermelha). A proposta em discussão prevê dois níveis de bandeira vermelha. É provável que em fevereiro seja adotado o patamar 1 da bandeira vermelha, o que significaria cobrança de R$ 4. Na avaliação do governo, a redução de R$ 0,50 a cada cem KWh consumidos no preço da bandeira representaria uma indicação positiva para os consumidores, além de mostrar que os custos do setor elétrico estão declinantes. Segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), o volume nos reservatórios da região Sul subiu de 64,8% para 94% na comparação entre os dias 24 de janeiro do ano passado e deste ano. No Sudeste e no Centro-Oeste também houve alta: passou de 17,2% para 41,4%. O cenário é diverso na região Norte, onde o percentual caiu de 35% para 22,7%. No Nordeste, que apresenta o nível mais baixo, também por consequência do El Niño, o percentual passou de 17% para 12%.
AR-CONDICIONADO COMPARTILHADO
De acordo com uma fonte, a principal preocupação do governo é achar um ponto de equilíbrio, diante da diferença de cenário entre as regiões. ? É uma questão política, porque, de um lado, a região mais rica do país já tem uma situação mais confortável, e, do outro, as áreas mais pobres vêm sofrendo com a queda do volume. É esse equilíbrio que está sendo estudado ? disse a fonte. Dados do ONS indicam que a utilização de usinas termelétricas ? mais caras que as hidrelétricas ? está perdendo força. Em um ano, a geração caiu de 14.426 megawatts médios (MWm) para 8.741 MWm em janeiro deste ano.
A participação destas usinas passou de 22,54% para 16,03% de toda a energia gerada na comparação entre janeiro de 2015 e janeiro deste ano. Para Nivalde de Castro, coordenador do Centro de Estudos do Setor Elétrico (Gesel), do Instituto de Economia da UFRJ, já é possível passar para o nível 1 da bandeira vermelha: ? A redução do valor da bandeira vermelha é possível porque vem chovendo muito. Mas ainda é cedo para saber se já podemos utilizar a bandeira verde. Isso só vamos saber em abril. Mas ainda acho pouco provável. O Nordeste ainda está com o volume muito baixo nas usinas.
Mas o Nordeste preocupa. Por isso, é preciso esperar o mês de abril. Enquanto o governo analisa quando será possível aliviar a cobrança com segurança, a advogada Giovanna Nunes, de 24 anos, improvisa para arcar com o aumento da conta de luz. Ela, a mãe e a irmã usavam regularmente o aparelho de ar-condicionado. Neste mês, porém, foram surpreendidas pela alta da conta, que saltou de R$ 300 para R$ 715.
? No início do ano passado, gastávamos R$ 100. O preço foi aumentando gradativamente, até que fechamos 2015 com uma média de R$ 280. De repente, em um apartamento de 50m², a conta explodiu e ultrapassou os R$ 700! Não gastamos luz assim. Mas, a partir de agora, o ar (condicionado) virou medida extrema, e com todo mundo no mesmo quarto. ? disse. Em Niterói, a auxiliar de contabilidade Larissa Pereira, de 22 anos, que mora com a filha, diz ter tido um aumento desproporcional de tarifa: ? Uma conta que se mantinha na faixa dos R$ 230, já com a bandeira, não pode chegar aos R$ 600! Com um salário mínimo de R$ 800, quem tem condições de arcar com R$ 600?
BC VÊ INCERTEZAS NO SETOR
Neste cenário, o próprio Banco Central (BC), que em seu último Relatório de Inflação previa uma mudança de bandeira tarifária para a cor verde, já dá sinais de mudança. No documento, informava que o eventual aumento do nível dos reservatórios no Sudeste e no Centro-Oeste no fim de 2015 e início de 2016 poderia possibilitar o desligamento de parte das usinas termelétricas, "criando condições para a alteração da bandeira cobrada nas contas de eletricidade, de vermelha para amarela ou verde". Na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), na semana passada, surgiram incertezas em relação à previsão anterior.
A avaliação oficial do quadro deve surgir na ata da reunião, que será publicada na quinta-feira. O aumento de cerca de 50% na conta de luz em 2015 foi ? juntamente com o dólar ? o vilão da inflação, que chegou a 10,67%. As bandeiras permaneceram no patamar vermelho durante todo o ano de 2015. A partir de agosto, porém, o valor arrecadado passou a gerar um excedente financeiro para as distribuidoras. Até novembro, último valor apurado, esse saldo já era de R$ 1 bilhão, um valor cobrado nas tarifas além do necessário para a geração de energia termelétrica e para pagar outros custos da falta de água nos reservatórios das hidrelétricas.
Para evitar essa distorção, a Aneel propôs a revisão. Durante a consulta pública da discussão, os agentes do setor foram favoráveis ao desmembramento das bandeiras. Algumas distribuidoras, como a Light e a CPFL, defenderam a criação dos patamares 1 e 2 também para a bandeira amarela. Segundo Nivalde de Castro, da UFRJ, o modelo de bandeiras tarifárias veio para ficar: ? Vamos precisar de mais termelétricas no futuro porque a nossa matriz está crescendo com as usinas eólicas e hidrelétricas a fio d?água, que não geram energia o ano inteiro. Os reajustes extraordinários que foram feitos ao longo do ano passado ocorreram apenas para resolver um problema de caixa das concessionárias do ano de 2014.
Fonte: O Globo (26/01/2016)