Produção inicial de Belo Monte atenderá apenas 120 mil famílias
03/12/2015
Fonte: Thiago Moreno, DCI
Com quase um ano de atraso, a usina hidrelétrica (UHE) de Belo Monte, no Pará, dará início à operação das primeiras turbinas em fevereiro de 2016, gerando energia capaz de abastecer apenas 120 mil famílias no primeiro mês de atividade, calculam especialistas.
Dados mais recentes da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) mostram que a central deverá começar a funcionar com uma potência instalada de 38,9 megawatts (MW), por meio da sua menor unidade geradora, chamada de Sítio Pimental. Em março, deverá ter início a operação comercial das primeiras grandes turbinas de Belo Monte, capazes de atingir uma potência muito maior, de 611,1 MW. Até o final do ano que vem, a usina deverá ter uma capacidade instalada de 3.288,5 MW, cerca de 30% do estimado para o empreendimento finalizado.
Ao ligar a última de suas 24 turbinas, em 2019, a hidrelétrica terá uma potência instalada de 11,2 mil MW, capazes de abastecer 3,3 milhões de famílias, calcula o consultor da Safira Energia, Mikio Kawai Jr. Ele lembra, porém, que Belo Monte só poderá comprometer 40% de sua capacidade, de forma a garantir o equilíbrio entre o uso de água para geração de energia e a conservação dos recursos hídricos para momentos de escassez, o que é chamado no setor de garantia física de uma usina.
O mais preocupante agora, de acordo com o consultor, são os atrasos nas linhas que vão escoar a energia gerada na UHE. Afogada em dívidas, a espanhola Abengoa, responsável pela construção da primeira rede que ligaria a usina até o Nordeste, já comunicou ao mercado que deve anunciar em breve sua situação de insolvência e, segundo o Sindicato dos Trabalhadores da Construção Pesada e Montagem Industrial do Estado da Bahia (Sintepav), paralisou a construção das obras.
A estrangeira já teria demitido 500 trabalhadores e, até o final do mês, pretende dispensar outros 1,5 mil, diz o vice-presidente da Sintepav, Irailson Warneaux. Ele conta ainda que foi feito um pedido de mediação, em caráter de urgência, ao Ministério Público do Trabalho (MPT) para tentar minimizar os impactos da demissão.
De acordo com Kawai Jr., a empresa de transmissão poderia ser responsabilizada por possíveis prejuízos trazidos por atrasos em suas obras, mas como o caso da Abengoa é de recuperação judicial, o mais provável é que o consumidor acabe sendo penalizado. Ele afirma que o governo poderia, por exemplo, tomar de volta a concessão das linhas e fazer um segundo leilão para atrair um empreendedor interessado em dar continuidade às obras. O problema, nesse cenário, seria o retorno oferecido para esse investidor, que em última análise deve ser cobrado nas tarifas de energia.
Preço
A crise no sistema de transmissão pode até mesmo afetar o preço da eletricidade vendida por Belo Monte, considerada mais barata frente outras fontes como a termelétrica e a solar. A redução do custo médio da energia, promovida pela UHE, poderá ter um efeito imediato sobre as tarifas, aponta o presidente da comercializadora Trade Energy, Walfrido Avila, se não for prejudicada por gastos maiores com o escoamento.
Avila explica que cada megawatt gerado pela hidrelétrica representa uma demanda menor pela eletricidade mais cara garantida por usinas térmicas, ligadas no último ano por causa do cenário de escassez de água. O desligamento dessas centrais, segundo ele, muda o sistema de bandeiras tarifárias, diminuindo encargos da conta de luz.
Em 2010, quando a usina foi leiloada, o preço da energia gerada em Belo Monte foi calculado em R$ 78 por megawatt–hora (MWh). Corrigido, o valor corresponderia hoje a algo em torno de R$ 110. Para se ter uma ideia, o preço inicial para a geração térmica no último leilão ficou em R$ 218/MWh.
Outro problema é que consórcio Norte Energia, responsável pela instalação e operação da hidrelétrica, deveria ter iniciado a operação das primeiras turbinas em fevereiro deste ano, mas alegou na época que não foi capaz de cumprir o prazo por motivos que fugiam do seu controle, como: invasões aos canteiros de obra, greves e a suposta demora da Aneel em conceder declarações de utilidade pública para terrenos.
"Com o atraso, a empresa normalmente seria obrigada a comprar energia mais cara no mercado de curto prazo para honrar com os contratos que já havia assinado", aponta Kawai Jr. Todos os contratos de comercialização de eletricidade entre a gigante paraense e as 27 distribuidoras regionais que vão receber o fornecimento já estão assinados desde 2009, explica o especialista. "No entanto, os empreendedores conseguiram postergar a cobrança da energia devida pedindo revisões do prazo de construção [da usina] na Aneel. E com a edição da MP 688 [medida provisória que foi aprovada no Senado, semana passada], o consórcio foi beneficiado pela extensão do cronograma de certas usinas", disse.
Entre outras medidas, a MP adiou a data–limite para entrega de algumas usinas, inclusive a Belo Monte. Procurada, a Norte Energia não respondeu até o fechamento desta edição.
Do total da energia elétrica produzida em Belo Monte, 70% serão destinados para o chamado mercado cativo, para distribuidoras que levam o fornecimento para os consumidores residenciais e pequenos estabelecimentos. Os outros 20% poderão ser vendidos no mercado livre, a partir de contratos bilaterais com consumidores de maior porte. Para Walfrido Avila, da Trade Energy, o volume disponibilizado para o ambiente livre é muito pequeno. O montante representa um acréscimo de, no máximo, 6% ao volume total comercializado atualmente nesse sistema.
"Essa energia de Belo Monte é bem–vinda porque, se não vier, a segurança de fornecimento vai piorar mais ainda. O que vier para o mercado livre também ajuda, porque permite uma melhora das garantias oferecidas no ambiente", avalia Avila. "Mas os número ainda são muito pequenos", pondera ele.