Depois de quatro leilões de transmissão atraindo interesse de investidores para menos da metade dos lotes oferecidos, o governo se preocupa com a questão e considera aumentar a taxa de retorno e as receitas propostas nas próximas disputas para atrair interessados.
Segundo o presidente da Empresa de Pesquisa Enérgetica (EPE), Maurício Tolmasquim, não existe um "Plano B" caso as linhas de transmissão não sejam leiloadas nas próximas disputas e o aumento das taxas de retorno é uma opção considerada.
"Não tem Plano B. Tem de fazer sair [as linhas]. Tem de viabilizar. Minha opinião pessoal é que, se tiver que aumentar mais o preço, tem de aumentar. Não tem como ficar sem construir as linhas. Não tem condição, porque vai engargalar", disse Tolmasquim.
A falta de interessados em leilões tem se mostrado um problema para o atendimento das necessidades de escoamento de energia no país. No leilão de transmissão realizado em novembro de 2014, apenas quatro de nove lotes receberam oferta. Em janeiro de 2015, foram dois de quatro. Em agosto, apenas quatro de onze lotes. Em novembro, foram quatro de doze lotes.
Na coletiva de imprensa realizada depois do leilão de transmissão de novembro, José Jurhosa, diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), afirmou que o órgão regulador pretende realizar o "maior leilão de transmissão da história" em fevereiro de 2016, licitando projetos que envolvem investimentos de R$ 15 bilhões a R$ 16 bilhões.
Na ocasião, Jurhosa comentou que a situação de transmissão é preocupante, mas evitou dizer se haveria um aumento das taxas de retorno oferecidas.
O Valor apurou que a situação é preocupante e que a diretoria da Aneel está analisando quais as opções possíveis. Outra questão é a situação da espanhola Abengoa, que participa de R$ 8 bilhões em investimentos em andamento no setor de transmissão brasileiro e recentemente pediu uma pré-recuperação judicial na Espanha.
"Estou preocupado com a questão da transmissão. É uma questão que a gente tem discutido. Todas as linhas que são incluídas no leilão são indicadas pela EPE porque são necessárias. E várias delas deveriam ter sido leiloadas antes e já tiveram problemas em leilões anteriores", disse Tolmasquim, completando que a Aneel já prorrogou o prazo de construção e aumentou o preço. "Não sei qual é a solução."
Para o professor Roberto Brandão, pesquisador do Grupo de Estudos do Setor de Energia Eétrica (Gesel/UFRJ), a solução passa por aumentar a taxa de retorno dos investimentos e buscar novos investidores para o setor.
"Provavelmente, a saída vai passar, sim, por tornar os investimentos mais atrativos", disse Brandão. Isso acontece pois grande parte dos investidores não está com capacidade financeira para fazer os novos e necessários investimentos.
Para Claudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil, os preços máximos muito baixos são um risco "muito grande" para a execução dos empreendimentos.
Enquanto isso, o crédito foi uma questão definitiva para o último leilão de transmissão, apontou o Morgan Stanley em relatório publicado recentemente. O BNDES, que costumava financiar 70% dos projetos de transmissão novos, limitou sua participação em 27% nesse certame, fazendo com que as empresas tivessem que usar fontes mais caras de crédito.
Outro fator que tem afastado as empresas do leilões de transmissão é o atraso no pagamento das indenizações pendentes de ativos não amortizados anteriores a maio de 2000, cuja concessão foi renovada antecipadamente pela Medida Provisória (MP) 579 no fim de 2012.
"A MP 579 destruiu a capacidade das empresas investirem nos leilões de transmissão", disse Sales. Segundo ele, com o atraso na liberação das indenizações, transmissoras tradicionais como Cteep e Eletrobras não estão participando das disputas.
O presidente da Associação Brasileira das Empresas de Transmissão de Energia Elétrica (Abrate), Mario Miranda, tem uma avaliação semelhante da situação.
Segundo ele, a Aneel e o Ministério de Minas e Energia (MME) têm procurado melhorias para os leilões de transmissão, mas a participação efetiva se dará apenas quando ocorrer o início do pagamento das indenizações pendentes. "Isso [o pagamento] é crucial", apontou.
"O pagamento das indenizações está diretamente associado ao caixa das transmissoras para realização de investimentos. Em 2016, estão previstos R$ 3,2 bilhões de investimentos em reforços em linhas de transmissão. E não temos este dinheiro", disse Miranda.
Para ele, quanto antes as empresas receberem os montantes devidos, mais cedo serão cumpridas as obrigações. "Esses investimentos são muito importantes para manter o nível de qualidade de atendimento do sistema brasileiro, de 99%", completou.
Fonte: Valor Econômico (28/12/2015)